Ciente das lutas diárias travadas pelos cuidadores informais, a Sensicare convidou a Associação Nacional de Cuidadores Informais para nos falar sobre as principais dificuldades e necessidades destas centenas de milhares de pessoas que, todos os dias, dão um pouco de si a familiares ou amigos. Conheça o percurso desta associação e os anos de luta pelo reconhecimento do Estatuto de Cuidador Informal – que continua ainda hoje, mesmo depois da sua aprovação na Assembleia da República.
Quem são os cuidadores?
Cuidador é o nome que damos a qualquer pessoa que assuma uma função de “assistência a uma outra pessoa (…) atingida por uma incapacidade, de grau variável, que não lhe permite cumprir, sem ajuda de outros, todos os atos necessários à sua existência enquanto ser humano”. (Oliveira et al., 2007)
Os cuidadores são os filhos, as esposas e os maridos, os netos, irmãos, pais, mães e amigos de pacientes com as mais diversas patologias, movidos pelo lema de cuidar com amor, qualidade e conhecimento. O cuidado informal, contudo, implica uma sobrecarga a nível físico, psíquico, social e financeiro. A Associação Nacional de Cuidadores Informais surgiu a partir desta experiência, através de um grupo de cuidadores e ex-cuidadores de familiares com demências que procuravam o reconhecimento das suas necessidades. Como missão, queriam divulgar o papel do cuidador informal junto das populações e do governo, e lutar pelo reconhecimento do Estatuto de Cuidador Informal.
Esta trajetória começou com uma petição entregue na Assembleia da República em 2016, que requeria direitos para os cuidadores de doentes com Alzheimer e demências semelhantes. Depois de um processo de discussão que durou alguns anos e envolveu os diferentes partidos com assento parlamentar, o Estatuto do Cuidador Informal foi finalmente reconhecido em 2019, estabelecendo direitos e apoios para as pessoas que prestam cuidados regulares a familiares ou amigos em situação de dependência.
A implementação começou de forma gradual, através de projetos-piloto em vários municípios do país que permitiram testar as medidas e avaliar as necessidades dos cuidadores. O seu impacto real tem vindo a ser sentido desde então, com progressivos ajustes – em março de 2024, por exemplo, o Estatuto de Cuidador Informal foi alargado, estendendo o estatuto de cuidador não principal a pessoas sem laços familiares, mas que coabitem com a pessoa cuidada e lhe prestem cuidados com regularidade. Apesar destas conquistas, o Estatuto atual ainda deixa alguns cuidadores sem o seu devido reconhecimento, nomeadamente os amigos e os vizinhos que acompanham pessoas com quem não coabitam.
Quais os objetivos do Estatuto de Cuidador Informal?
O Estatuto foi criado para responder a necessidades concretas: os cuidadores reclamavam apoio médico e psicológico, o reconhecimento da carreira contributiva (no caso dos cuidadores a tempo inteiro e sem possibilidade de trabalhar) e o apoio financeiro na forma de um subsídio a atribuir ao cuidador a tempo inteiro. Um estudo do Movimento Cuidar dos Cuidadores Informais estima que haja hoje 1,4 milhões de cuidadores informais em Portugal – e, num contexto de envelhecimento demográfico, esse número só tenderá a crescer. Era urgente reconhecer o trabalho dos cuidadores informais enquanto tal, garantindo-lhes direitos e benefícios e proporcionando apoio para desempenharem a função com dignidade, sem que tenham de sacrificar o cuidado de si próprio.
O Estatuto concede então vários direitos aos cuidadores informais, incluindo:
- Reconhecimento da atividade de cuidado: o cuidador pode ter um reconhecimento formal da sua função, que é crucial para obter benefícios sociais, e acesso ao estatuto de trabalhador-estudante, caso frequente o ensino.
- Apoio financeiro: o cuidador principal tem acesso ao subsídio de apoio ao cuidador informal e a outras formas de apoio financeiro, mediante determinadas condições de recursos.
- Apoio à saúde: o estatuto prevê o acesso a serviços de saúde e apoio psicológico para o cuidador, além de períodos de descanso para garantir o seu bem-estar emocional.
- Descanso e períodos de repouso: o cuidador tem direito a períodos de descanso, por exemplo através da prestação de cuidados formais temporários à pessoa dependente.
- Formação e capacitação: oportunidades de formação para melhorar as competências no cuidado de pessoas com dependência, e para que o cuidador possa conhecer melhor a doença que afeta a pessoa dependente.
- Reconhecimento do tempo de cuidado para efeitos de reforma: o tempo dedicado ao cuidado informal poderá ser contabilizado para efeitos de proteção social e reforma, de acordo com os regimes aplicáveis da Segurança Social.
Estes direitos, contudo, não se aplicam de forma igual, e o Estatuto distingue entre cuidadores informais principais – que vivem com a pessoa dependente e que dela cuidam de forma permanente – e os cuidadores não principais – que não são responsáveis pelo cuidado permanente.
Da mesma forma, o Estatuto também consagra os deveres do cuidador informal para com a pessoa dependente:
- Prestação de cuidados: cabe ao cuidador informal assegurar a prestação de cuidados continuados à pessoa dependente, adequados à sua condição, e que garantam o seu bem-estar e conforto.
- Cumprimento do plano de cuidados: a prestação dos cuidados deve seguir o plano elaborado em conjunto com os profissionais de saúde, adequado às necessidades da pessoa dependente e promovendo a sua autonomia quando possível.
- Manutenção das condições de bem-estar da pessoa cuidada: cabe ao cuidador assegurar que a pessoa dependente tem as suas necessidades básicas asseguradas, que vive em condições de higiene, segurança e dignidade, e que recebe os cuidados necessários à sua saúde física e mental.
- Colaboração com as instituições: o cuidador informal tem de colaborar com as autoridades competentes (serviços de saúde, Segurança Social, etc.) para cumprir o plano de cuidados, dando conta de mudanças no estado de saúde da pessoa cuidada.
O Estatuto de Cuidador Informal foi uma grande conquista e uma importante medida de justiça social. Porém, a sua implementação enfrenta ainda desafios e requer uma constante formação dos cuidadores, mantendo o investimento em apoios financeiros e sociais. É preciso também conseguir comunicar eficazmente os direitos e os benefícios, para que os cuidadores estejam a par dos seus direitos e possam aceder-lhes. Só uma fatia minoritária das centenas de milhares de cuidadores é que beneficia do Estatuto, e menos ainda têm acesso ao subsídio.
Como pedir o estatuto de cuidador informal?
O pedido pode ser solicitado nos serviços da Segurança Social ou através do portal Segurança Social Direta, escolhendo entre cuidador informal principal ou cuidador informal não principal. Quando possível, a pessoa cuidada deverá dar consentimento informado.
Conclusão
Os cuidadores informais desempenham um papel fundamental no cuidado de familiares e amigos em situação de dependência, e essa importância crescerá nos próximos anos com o envelhecimento demográfico. A responsabilidade da função, contudo, leva muitas vezes a sobrecargas físicas e emocionais, com risco acrescido de ansiedade, exaustão e de pobreza. A luta de organizações como a Associação Nacional de Cuidadores Informais, que já resultou na aprovação do Estado do Cuidador Informal, tem contribuído para aliviar esse fardo e para capacitar os cuidadores de forma a que possam oferecer cuidados de qualidade sem comprometer a sua saúde. Fortalecer esse cuidado é, na verdade, fortalecer toda a nossa sociedade.
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